10.2: Ética ambiental
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Ao final desta seção, você poderá:
- Explique a atual crise ambiental e climática.
- Descreva diferentes posições filosóficas relacionadas às relações da humanidade com o ambiente natural.
- Identifique as circunstâncias que levaram grupos marginalizados a serem especialmente afetados por desastres climáticos.
Antes da ética ambiental emergir como disciplina acadêmica na década de 1970, algumas pessoas já estavam questionando e repensando nossa relação com o mundo natural. A Sand County Almanac, de Aldo Leopold, publicado em 1949, convocou a humanidade a expandir nossa ideia de comunidade para incluir todo o mundo natural, fundamentando essa abordagem na crença de que toda a natureza está conectada e interdependente de maneiras importantes. Silent Spring (1962), de Rachel Carson, chamou a atenção para os perigos do que eram então os pesticidas comerciais comumente usados. Os ensaios de Carson chamaram a atenção para os impactos de longo alcance da atividade humana e seu potencial de causar danos significativos ao meio ambiente e, por sua vez, à humanidade. Esses primeiros trabalhos inspiraram o movimento ambientalista e geraram debates sobre como lidar com os desafios ambientais emergentes.
A crise emergente
Os humanos mudam e moldam direta e indiretamente o mundo natural. Nossa dependência de combustíveis fósseis para atender às nossas necessidades de energia, por exemplo, libera um importante gás de efeito estufa, o dióxido de carbono (CO 2), no ar como resultado. Os gases de efeito estufa retêm o calor na atmosfera da Terra, resultando em mudanças no clima do planeta. Os dois países que produzem mais CO 2 são os Estados Unidos e a China. Os Estados Unidos são o maior consumidor de gasolina do mundo, usando aproximadamente 338 milhões de galões de gasolina por dia. A China é o maior consumidor de carvão, queimando aproximadamente três bilhões de toneladas de carvão em 2020 — mais da metade do consumo total mundial de carvão. Nossa demanda pela energia fornecida por combustíveis fósseis para abastecer nossas indústrias, aquecer nossas casas e possibilitar viagens entre locais distantes é o principal fator que tem contribuído para o aumento dos níveis de gases de efeito estufa na atmosfera.
As atividades humanas tiveram e continuam a ter impactos significativos no mundo natural. O termo mudança climática antropogênica se refere às mudanças no clima da Terra causadas ou influenciadas pela atividade humana. O clima severo e os desastres naturais estão aumentando em frequência e intensidade devido às mudanças climáticas. Como apenas um exemplo, incêndios florestais recordes ocorreram nos últimos anos nos Estados Unidos e na Austrália. Em um período de apenas cinco anos (2017—2021), os Estados Unidos sofreram quatro dos incêndios florestais mais severos e mortais de sua história, todos na Califórnia: o incêndio de Tubbs em 2017, o acampamento de 2018, o incêndio na área da baía de 2020 e o incêndio de Dixie em 2021. Em 2020, a Austrália passou por sua temporada de incêndios florestais mais catastrófica, quando cerca de 19 milhões de hectares foram queimados, destruindo mais de três mil casas e matando aproximadamente 1,25 bilhão de animais.
A ética ambiental é uma área da ética aplicada que tenta identificar a conduta correta em nosso relacionamento com o mundo não humano. Durante décadas, cientistas expressaram preocupação com os efeitos de curto e longo prazo que as atividades humanas estão tendo no clima e nos ecossistemas da Terra. Muitos filósofos argumentam que, para mudar nossos comportamentos de forma a resultar na cura do mundo natural, precisamos mudar nosso pensamento sobre a agência e o valor dos elementos não humanos (incluindo plantas, animais e até entidades como rios e montanhas) que compartilham o globo conosco.
Dimensões políticas e jurídicas
O movimento ambiental começou com preocupações específicas sobre a poluição do ar e da água e os efeitos dos pesticidas nas plantações de alimentos. A Primavera Silenciosa de Rachel Carson foi influente na criação de organizações sem fins lucrativos e agências governamentais, como a Agência de Proteção Ambiental dos EUA (EPA), projetada para proteger a saúde humana e o meio ambiente. Agências como a EPA podem afetar significativamente a política nacional e os aspectos da economia relacionados às emissões das fábricas, uso e descarte de produtos químicos tóxicos e quase qualquer outra coisa que possa impactar adversamente o meio ambiente ou a saúde humana.
As abordagens legais para proteger o meio ambiente variam de país para país. O impulso econômico para produzir de forma rápida e eficiente com pouca ou nenhuma regulamentação coloca muitos países industrializados contra as economias mais estabelecidas na Europa Ocidental e na América do Norte. A China, por exemplo, que atualmente contribui com 43% das emissões anuais de carbono do mundo, está tentando adotar políticas que vão além da mera limpeza para promover a regeneração dos sistemas ecológicos (Gardner 2019). Com preocupações ambientais não resolvidas, a China está atualmente enfrentando uma perda de capital financeiro e intelectual, já que 60% dos cidadãos com um patrimônio líquido de $1,5 milhão ou mais emigraram.
Os esforços internacionais para enfrentar a crise climática tiveram um sucesso misto. Em 1985, depois que cientistas descobriram que alguns aerossóis estavam causando buracos na camada de ozônio na atmosfera, 20 países iniciaram o Protocolo de Montreal, que proibiu o uso desses sprays. A comunidade internacional adotou rapidamente o acordo e hoje 197 países assinaram o tratado. Uma das principais razões para esse sucesso, no entanto, é que esses sprays foram relativamente fáceis e baratos de substituir. Esse não é o caso da mudança climática global. Atualmente, não há uma alternativa única e viável à economia de carbono — um termo usado para referenciar nossa atual dependência econômica de combustíveis à base de carbono, como petróleo e carvão. Fontes de energia renováveis, como painéis solares, estão disponíveis, mas não na escala necessária para alimentar estilos de vida de alta energia e alto consumo. Mais de 150 países assinaram a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), que lançou as bases para o Protocolo de Kyoto (1997) e o Acordo de Paris (2015). Com esses acordos, a maioria das nações se comprometeu com metas futuras para reduzir as emissões de combustíveis fósseis, mas até o momento nenhuma nação fez progressos significativos em direção a essas metas. A mudança climática é um problema complexo, intrinsecamente ligado a uma economia que depende do acesso a fontes de combustível baratas e abundantes. Também é um problema que não pode ser resolvido por uma nação ou grupo sozinho, mas chama a atenção para a natureza compartilhada de nosso ecossistema planetário e o impacto que as atividades em um local têm em todas as outras vidas.
Contribuições filosóficas à ética ambiental
Valor instrumental da natureza
As filosofias ocidentais tradicionais têm sido antropocêntricas (centradas no ser humano), conforme discutido no capítulo sobre a teoria do valor. Os humanos são considerados os únicos possuidores de valor intrínseco, o que significa que cada vida humana é entendida como possuindo valor em si mesma e por sua própria causa. O mundo natural, por outro lado, tem sido visto como tendo valor instrumental, entendido como tendo valor apenas como um meio de satisfazer as necessidades e desejos humanos. Da Grécia antiga ao Iluminismo, filósofos e cientistas estudaram o mundo natural com o objetivo de entender a melhor forma de usá-lo para alcançar os objetivos das sociedades humanas.
Obrigações antropocentricas
O empirismo geralmente remonta ao trabalho de Francis Bacon (1561-1626), cujas técnicas experimentais levaram ao desenvolvimento do método científico e que defendeu uma abordagem indutiva à investigação científica em seu ensaio Novum Organum. De acordo com Bacon, quando a natureza se torna objeto de estudo, ela pode ser completamente manipulada e usada de acordo com o plano original de Deus para a humanidade na Terra. Bacon sustentava a visão cristã predominante de que Deus deu aos seres humanos o domínio sobre o mundo não humano. Ao contrário de um sujeito autônomo, um objeto pode ser tratado sem consideração, manipulado para estudo e explorado como um recurso — tudo isso ocorreu à medida que o capitalismo evoluiu nos países ocidentais (Bacon 1878). As sociedades ocidentais contemporâneas têm visto a ciência e a tecnologia como um veículo importante para capacitar a humanidade a manipular e controlar a natureza, para forçar a natureza a se curvar à nossa vontade.
Os primeiros defensores do movimento ambiental no Ocidente associaram essa perspectiva antropocêntrica (centrada no ser humano) à crise ambiental. Em um conhecido ensaio, “The Historical Roots of Our Ecological Crisis” (1967), Lynn White argumenta que a maneira como pensamos sobre o meio ambiente tem suas raízes no pensamento judaico-cristão que mantém a superioridade dos humanos sobre o mundo não humano e ensina que o mundo natural foi criado para uso humano. Se a natureza só tem valor instrumental, então não violamos a moralidade quando manipulamos, destruímos ou prejudicamos a natureza.
Alguns filósofos, no entanto, apontam que essa mesma abordagem antropocêntrica tem o potencial de promover uma ética do cuidado ambiental. De acordo com essa perspectiva, as obrigações morais relativas ao nosso tratamento do mundo natural podem ser justificadas pelo apelo aos interesses humanos e ao desejo de autopreservação. Por exemplo, podemos argumentar que todos os humanos têm interesse em ter acesso a ar puro e água potável e em garantir a longevidade da Terra para as futuras gerações desfrutarem. Esses interesses básicos que todos os humanos compartilham podem ser usados como base para estabelecer obrigações morais para reduzir a poluição, criar práticas mais sustentáveis e tomar medidas para diminuir os danos causados ao meio ambiente pela atividade humana.
Em People or Penguins: The Case for Optimal Pollution (1974), por exemplo, William Baxter oferece uma ética ambiental antropocêntrica sem remorso. A Baxter adota uma visão tradicional que atribui valor intrínseco somente às pessoas. Ele propõe que o fato de que algum dano tenha ocorrido em certos aspectos do mundo não humano não é, por si só, suficiente para justificar a responsabilidade moral. “Danos a pinguins, pinheiros açucarados ou maravilhas geológicas são, sem mais, simplesmente irrelevantes” (Baxter 1974, 5). Reconhecendo isso, Baxter continua afirmando que existe uma obrigação moral para com o mundo não humano, porque os interesses humanos estão intrinsecamente ligados ao mundo natural. Quando se trata de poluição, por exemplo, a Baxter argumenta que temos a obrigação moral de equilibrar os benefícios que obtemos ao causar poluição com os danos causados pela poluição para estabelecer um nível de poluição ideal.
Uma solução proposta para a crise ambiental, de acordo com uma abordagem antropocêntrica, é cobrar impostos sobre pessoas e corporações quando suas atividades são consideradas prejudiciais à sociedade e/ou à saúde planetária. Atualmente, nos Estados Unidos, muitos estados cobram impostos extras na compra de cigarros e álcool, além do imposto sobre vendas estabelecido. Esses impostos extras são justificados ao apontar que esses produtos são prejudiciais à saúde humana e que seu consumo sobrecarrega desnecessariamente os sistemas de saúde do estado. Alguns economistas recomendam o uso de uma abordagem semelhante para controlar o impacto ambiental. Nesse cenário, um custo ou passivo tributário seria imposto a empresas ou indivíduos que causassem danos ao meio ambiente. Um imposto sobre emissões de carbono é um exemplo desse imposto. Obviamente, recompensar o comportamento positivo também pode funcionar, por exemplo, dando incentivos fiscais ou outros tipos de recompensas a organizações que estão trabalhando em prol da sustentabilidade ambiental. Essas políticas se alinham com a abordagem antropocêntrica, na medida em que responsabilizam as organizações pelos danos que estão causando à sociedade humana e aos interesses humanos.
Ecologia profunda e o valor intrínseco da natureza
Em forte contraste com o antropocentrismo que há muito domina o pensamento ocidental sobre o meio ambiente, a ecologia profunda, um termo cunhado pela primeira vez pelo filósofo norueguês Arne Naess (1912-2009), assume que todos os seres vivos são valiosos por si mesmos (Naess 1973). Se toda a vida tem valor intrínseco, então toda a vida é merecedora de respeito. A ecologia profunda, portanto, defende uma prática de restrição quando se trata do meio ambiente e da vida não humana.
A ecologia profunda argumenta que precisamos mudar fundamentalmente a forma como pensamos sobre nós mesmos e nosso relacionamento com a natureza. Essa abordagem propõe que é errado nos ver como entidades individuais e separadas. Em vez disso, toda a natureza, incluindo os seres humanos, deve ser entendida em termos de suas relações com todo o resto. Essa inter-relação implica a responsabilidade de agir de forma a respeitar o valor intrínseco de todos os seres vivos e promover a vida no sentido mais amplo. Para ecologistas profundos, o primeiro passo nessa abordagem é tornar-se sensível e consciente das relações profundas que existem entre tudo na natureza. Conscientes de que somos mais do que esse corpo e essa mente, que somos membros de um todo maior, reconhecemos que temos a obrigação de promover e cuidar do mundo natural. Naess pensava na ecologia profunda como um movimento que promove uma nova visão de mundo radical que contrastava fortemente com a visão tradicional de que valorizava a natureza apenas como um meio para atingir os fins humanos.
Os críticos da ecologia profunda às vezes notam que é uma posição de privilégio assumida por pessoas em nações desenvolvidas e que países menos industrializados podem não estar em posição de respeitar o meio ambiente da mesma forma quando sua própria sobrevivência está em risco. As iniciativas ambientais podem ser um desafio para países menores e menos industrializados. Nessas nações, o apelo ao ambientalismo pode parecer vazio para aqueles que enfrentam uma luta diária por comida ou água potável.
Ecologia social
Os ecologistas sociais veem os problemas ambientais como decorrentes do mesmo sistema político e econômico defeituoso que promove a desigualdade e é responsável pelo racismo, sexismo e classismo. Nessa visão, o capitalismo criou um sistema de dominação sobre a humanidade e a natureza e transformou a natureza em apenas mais uma mercadoria. Murray Bookchin (1921—2006), filósofo político americano e fundador da ecologia social, foi altamente influente nessa linha de pensamento. Bookchin acreditava que a maioria, se não todos, dos problemas que compõem nossa atual crise ambiental são o resultado de problemas sociais de longa data. Ele argumentou que a única maneira de resolver nossos problemas ecológicos é resolver nossos problemas sociais. Bookchin propôs que mudássemos a sociedade rejeitando grandes estruturas políticas e grandes negócios e capacitando grupos menores de base local que estão mais ligados a seus ambientes e, portanto, mais conscientes do meio ambiente.
Também foram levantadas preocupações sobre o impacto desigual que os problemas ambientais têm em diferentes segmentos da sociedade. O livro de 1990 de Robert Bullard, Dumping in Dixie, argumenta que o ambientalismo está entrelaçado com questões de equidade racial e socioeconômica. Portanto, não é apenas uma questão de saúde individual, mas sim uma preocupação com a saúde das comunidades. As comunidades historicamente marginalizadas, em particular, têm maior probabilidade estatisticamente de serem expostas a perigos ambientais. Um exemplo flagrante e bem divulgado desses tipos de perigos é a crise hídrica em Flint, Michigan. Em 2014, percebeu-se que a água potável em Flint estava contaminada com altos níveis de chumbo. Essa contaminação foi o resultado de uma decisão tomada por gerentes de emergência indicados pelo governo estadual de mudar o abastecimento de água de Flint do sistema de água de Detroit para o rio Flint, a fim de economizar dinheiro. A água do rio Flint não continha apenas bactérias e substâncias cancerígenas, mas também lixiviava o chumbo dos canos que levavam água às casas das pessoas. Como resultado, muitos sofreram de erupções cutâneas, queda de cabelo e níveis elevados de chumbo no sangue (Denchak 2018). Outro exemplo pode ser visto no South Bronx, na cidade de Nova York. Essa área às vezes é chamada de “ilha da poluição”, pois fica na confluência de três rodovias principais. A poluição do trânsito resultou em um aumento nos diagnósticos de asma e hospitalizações relacionadas à asma em pessoas que vivem neste bairro, a maioria deles negros americanos, latinos e novos imigrantes (Butini 2018).
Diferenças semelhantes nos perigos ambientais podem ser observadas em escala global. Um relatório das Nações Unidas de 2016 relatou que as pessoas em países em desenvolvimento têm maior probabilidade de viver em terras expostas à contaminação e a poluentes químicos do que aquelas em países mais ricos (Nações Unidas 2016).